segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A DOR QUE VEM DA FUGA

Matéria publicada hoje no CADERNO ESPECIAL NOSSA FAMÍLIA PET/JORNAL CINFORM
Por Verônica Moura

Perder um animal de estimação deixa grandes marcas em seu dono

A perda é provavelmente a sensação mais confusa, frustrante e emocional que uma pessoa pode sentir. Os proprietários de animais que se deparam com esse sentimento se veem acompanhados de um vazio irreparável. Ninguém quer perder o seu mascote. Tantos cuidados, carinho e apego não merecem acabar de forma tão dolorosa. Pontua-se a isso porque muitas vezes os animaizinhos fogem, somem, são roubados e em grande parte ninguém consegue mais recuperá-los.

Infelizmente, a sociedade em geral não dá a essas pessoas permissão para demonstrar a sua dor abertamente. Alguns são até mal compreendidos e ridicularizados diante da dor da fuga ou sumiço do seu bichinho. Dessa forma, os proprietários se sentem isolados e sozinhos, o que gera um luto ainda maior.

É o caso da micro-empresária Jackeline Dantas, que perdeu há aproximadamente um mês o Teko, um papagaio de três anos que era o xodó da família. Profundamente desolada com o desaparecimento do pequeno falante, que segundo informações voou para a entrada da residência e foi levado por alguém que passava no local no momento, Jackeline recorreu à busca divulgando o sumiço do Teko através de várias mídias.

Faixas com as informações sobre o desaparecimento do animal já foram espalhadas pela redondeza da sua residência - bairro Suissa -, cinco mil panfletos foram distribuídos em pontos estratégicos da cidade, anúncios em programas de rádio e na mídia impressa, além de um outdoor com a promessa de uma boa recompensa pela devolução do louro, na tentativa de mobilizar alguém que tenha se apossado dele.

"Meu apego ao Teko é inexplicável. Minha família criou muita estima por ser um bichinho dócil e muito esperto. Ensinamos ele a falar algumas palavras e diariamente ele me acordava chamando 'mãezinha, vem cá!'. Perder uma criaturinha dessa é de partir o coração. Suspeitamos que no momento em que ele voou da nossa residência, já que vivia solto, alguém que tenha passado na rua o levou", diz a dona desolada.

Jackeline Dantas sofre como se fosse uma mãe que viu um filho cair no mundo sem saber do paradeiro. "Minha maior dor é imaginar que ele possa não estar recebendo os cuidados necessários, porque o Teko foi criado tomando banho quente e comendo apenas frutas. Sem falar no enorme carinho que sempre dispensamos a ele", relata Jackeline. Ela afirma ter esperança que irá recuperar sua avezinha.

ÚLTIMOS DIAS
Dizem que o cão é o melhor amigo do homem, e no caso do Doca esse ditado foi vivido ao pé da letra. O cachorro é da raça Montanhês, conviveu com Vanessa Vasconcelos, vendedora, 25 anos, até completar oito anos de vida. Esperto e muito companheiro, Doca passou a ter uma relação muito estreita com a sua única dona e chagava a apresentar os mesmos sintomas quando Vanessa ficava doente.

Após a constatação de um tumor na barriga, o cachorrinho começou a viver seus últimos dias de vida, já que a remoção do corpo estranho não foi possível segundo o veterinário que o assistia. Após alguns meses, a cegueira, a falta de ar e o inchaço na barriga levaram o pequeno Doca à morte, e naquele momento a dor deu espaço para um luto bastante extenso que já dura quatro anos.

"Ele dormia comigo todas as noites e pela manhã sempre subia na minha cama e ficava cheirando o meu rosto até eu acordar. Perder Doca foi como perder realmente um ser humano, uma pessoa da minha família. A gente se apega porque ele demonstrava um sentimento tão puro. Quando alguém diz que 'esse seu cachorro é chato!', isso magoa o dono profundamente. Primeiro porque não consideramos ele um cão. Vira uma pessoa mesmo", diz.

"O ser humano necessita de carinho, atenção e muitas vezes busca isso nos animais. Eles podem nos dar isso. Às vezes a gente conta até os nossos problemas pra eles, e eles respondem com aquele olhar de quem está entendendo. É inacreditável, mas eles sabem e sentem tudo. Hoje tenho outro cachorro, mas o sentimento que tenho pelo Doca permanece", afirma Vanessa.

PSICOLOGIA
Ao adquirir um animal de estimação, ele passa a fazer parte de seu convívio e ganha espaço no seu carinho. De acordo com a psicóloga Flávia Buarque, a pessoa acaba conversando com seu animalzinho quando está feliz, quando está triste, quando está preocupada e passa a dividir sua vida com ele.

"Isso faz com que uma amizade verdadeira passe a surgir de uma forma muito intensa. Um amor imenso, um sentimento muito forte. Os animais de estimação têm a capacidade de compreender as necessidades das pessoas e supri-las de maneira doce e gentil, sem ao menos cobrar nada em troca. Só um pouco de carinho e de atenção", diz a profissional.

Segundo a psicóloga, é possível observar uma alteração de paradigma. "Acredito que a mudança de valores em que vivemos nas sociedades atuais e a consequente banalização de sentimentos sejam fatores muito relevantes para a busca e o apego a animais de estimação. As pessoas buscam sentimentos puros, verdadeiros, sem cobrança, com liberdade de expressão, e a relação com esses animais favorece todos esses pressupostos. Eles são leais, justos e capazes de dar a vida por nós. E esses animais ditos irracionais, de uma forma tão simples, sem palavras mas com atitudes, nos permitem conhecer e aprender sobre nossos sentimentos mais racionais", afirmou Flávia.

LUTO
O luto envolve angústia, pensamentos e sentimentos que acompanham o lento processo mental de se despedir de uma relação estabelecida entre o animal e o ser humano. Alguns humanos carregam a fotografia do animal em sua carteira, deixam que eles durmam em sua cama, frequentemente falam e interagem com eles. São de fato parte integrante da família e a sua perda implica a incapacidade de manter uma rotina normal em virtude do luto. É algo meio humanizado.

Para Flávia Buarque, quando um animal de estimação morre, morre com ele o vínculo de uma relação estabelecida de anos de cumplicidade e de amor mútuo, que comumente é entendedida que só possa existir na relação entre pais e filhos. "Muitos donos estão totalmente despreparados para a intensidade de seu luto, e ficam embaraçados e com vergonha dele, pois perante a sociedade é entendido como um luto não autorizado. Por mais que tentemos nos preparar para um possível luto, seja pela morte ou mesmo pela fuga do animal, ao ser concretizado traz consigo angústias e sentimentos que só vem à tona quando essa situação acontece verdadeiramente", disse.

Existem formas de amenizar o sofrimento, mas seria impossível evitá-lo. São maneiras de se trabalhar esse momento: entender que o ciclo de vida de animais são mais curtos; tratar o bicho com dignidade e respeito; dar qualidade de vida ao animal, ou seja, fazer por ele sempre o melhor, para que quando não esteja mais presente fique a sensação de que deu tudo o que podia, amenizando assim o sofrimento.

"Em alguns casos, dependendo da forma como esse luto modificou a rotina do proprietário do animal, é necessária a busca por um acompanhamento psicológico. Um dos pontos importantes a ser ressaltado nessa situação é nunca banalizar o sentimento do dono do bicho, permitindo ao mesmo viver o luto de forma real, respeitando sua dor. Quando a sociedade não reconhece e nem legitima o luto, as reações de estresse podem ser intensificadas, e os problemas relacionados ao momento, mesmo que por fuga, podem ser exacerbados", diz a psicóloga.

FOTO: Jaqueline e Teko/Arquivo Pessoal.

Um comentário:

Carla Guimarães disse...

Vi a matéria no jornal e adorei a idéia do caderno pet. Bem, perder um animal deve ser tão doloroso quanto perder um ente querido. Meu filhote, o Logan, é também o amor da minha vida. O danadinho faz as travessuras dele que me tira do sério, mas logo que vejo a carinha dele e todo o xodó já esqueci.